Aos irmãos e irmãs cujas vidas estão marcadas pelo sofrimento,
particularmente a todos os que estão privados da sua liberdade nos presídios,
aos que vivem presos ao seu leito hospitalar ou doentes em suas residências,
aos mais esquecidos das periferias de nossas metrópoles,
aos que já não conseguem vislumbrar uma centelha de misericórdia,
vivendo fora da comunhão de Deus e da ação pastoral da Santa Igreja,
aos que experimentam cotidianamente a violência,
aos que deixaram de acreditar no amor e na bondade,
a todos os leigos e leigas que levam adiante com alegria a missão,
aos sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas
e aos irmãos bispos auxiliares,
que tanto ajudam na minha missão nesta
Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
1. Pela quinta vez, dirijo-me aos irmãos e irmãs desta amada Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro através de uma Carta Pastoral. Tendo manifestado o que penso e sinto a respeito de minha missão como pastor desta parcela da Igreja de Deus , na alegria da consagração, na certeza de que “a esperança não decepciona”, também trabalhamos a temática do Ano Santo extraordinário, em sintonia com o Santo Padre, o Papa Francisco, em que quisemos testemunhar “a misericórdia”. Agora, gostaria de propor uma reflexão sobre a vida do nosso Glorioso Padroeiro, vendo em seu testemunho a presença da misericórdia de Deus como fonte para manter a Fé, não perder a Esperança e praticar a Caridade.
2. Depois das celebrações natalinas e da passagem do ano civil, o Rio de Janeiro se alegra com a comemoração de seu padroeiro. Nós, os cariocas, amamos profundamente nossa cidade. Por isso, alegramo-nos, como já disse tantas vezes, pelas belezas naturais e humanas que a tornam eternamente maravilhosa. Por outro lado, carregamos em nossos corações angústias, quando, por exemplo, sentimos de perto a violência, o desrespeito à pessoa humana, o desemprego e tantas outras causas de preocupação. Por isso, é tão importante voltar os olhos e o coração para aquele que o Pai de Misericórdia deu como padroeiro à nossa cidade. Podemos e devemos aprender com esse grande homem de Deus que entregou a sua vida por amor à causa do Evangelho. Assim sendo, entrego, com meu coração de pastor, mais esta Carta Pastoral no desejo de que ela seja lida individual e comunitariamente, sendo uma ajuda para que os cariocas enfrentem as dificuldades da vida com a mesma garra de seu padroeiro, sempre confiantes na Misericórdia de Deus.
3. Os exemplos dos Santos sempre nos ajudam a crescer no fervor de viver uma vida cristã autêntica. Já há algum tempo, tenho refletido sobre a ligação entre São Sebastião e a cidade num mundo em grandes transformações. São Sebastião nasceu em Narbone, uma cidade ao sul da França. Ainda pequeno, migrou para Milão e depois foi para Roma. Nestas cidades, recebeu os primeiros ensinamentos a respeito da Fé, forjou sua personalidade na Esperança e descobriu a grandeza da Caridade. Agora, como padroeiro e referência do povo carioca, ele nos convida a viver numa outra grande cidade, nosso Rio de Janeiro, com as mesmas atitudes: acolher e transmitir a fé, não perder a esperança e sempre praticar a caridade. Ele é o anunciador da misericórdia de Deus. São Sebastião é um santo urbano, um santo das cidades de ontem para a Cidade Maravilhosa de hoje.
4. Também me chama a atenção o que estava acontecendo no mundo no tempo de São Sebastião. A grande Roma, fundada séculos antes, queria se expandir. Através da guerra, anexava mais territórios, submetendo povos inteiros, uma história que aprendemos ainda pequenos na escola. Depois de um tempo de guerras violentas, um pouco de paz surgiu. De um certo modo, os diversos povos tinham alguma liberdade para seguir seus costumes, mas, no entanto, deveriam venerar (ou mesmo adorar) o Imperador como personagem mais sublime, mesmo que este fato fosse contrário aos costumes, às tradições e às crenças de cada povo. Foi neste período que os primeiros cristãos, após o envio missionário, partiram mundo afora, e foi ainda por volta desse período que viveu nosso padroeiro. São Sebastião é, portanto, um santo também das épocas em que tudo se transforma, das épocas em que a violência vai e vem, dos tempos em que se acredita viver em paz, bastando, para isso, adorar quem se apresenta como deus, ou seja, como realidade mais importante.
OS CRISTÃOS NUM MUNDO QUE NÃO OS COMPREENDE
5. Grandes cidades e grandes mudanças. Assim foi o surgimento e o crescimento do Cristianismo. O número de cristãos cresce cada vez mais. A partir do momento em que constituem um grupo numericamente significativo, os discípulos de Cristo passam a ser vistos como ameaça. O Cristianismo chega a Roma vindo do Oriente. Os cristãos são, então, um grupo de imigrantes cujos costumes, por não serem compreendidos, tornam-se igualmente mal vistos. Alguns escritores cristãos, os apologistas, tentam defender a sua comunidade diante da opinião pública e das autoridades. Mas não conseguem impedir que a perseguição se abata sobre os cristãos. A perseguição costumava começar com calúnias e difamações, chegando, ao final do processo, com o martírio.
6. Apesar de tantas transformações, desde a Roma de São Sebastião até o nosso Rio de Janeiro de hoje, creio que podemos perceber certa linha de continuidade. O mundo se organiza de determinado modo, acreditando que este modo gera a paz. Se alguém pensa e, mais ainda, age diferente, esta pessoa é considerada estranha, maldita e sujeita a calúnias, difamações e perseguições. Não há, desse modo, como não considerar São Sebastião um santo profundamente atual, com um testemunho que nos deve interpelar a todo momento, questionando nosso modo de viver a Fé. Quem não deseja a paz? Quem se alegra com a violência e a guerra? Nossa cidade não está acolhendo refugiados de regiões em guerra violentíssima? Os cristãos do tempo das perseguições e, dentre eles, nosso querido São Sebastião, nos ensinam que, se desejamos a paz, pecisamos construí-la sabendo onde ela se enraiza verdadeiramente. Por isso, ele foi um mártir.
O QUE É UM MÁRTIR?
7. “Mártir” evoca aquele que morre em meio a suplícios cruéis por causa da fé. Mas é necessário recordar que essa palavra, em sua origem, significa “testemunha”. O mártir, de fato, é alguém que dá testemunho de sua fé em Jesus, como o único Senhor. O cristão não busca o martírio, muito embora isso possa acontecer. Ele pode fugir à perseguição, pois todos somos chamados a preservar a vida. Mas, quando a perseguição e o martírio chegam, é preciso dar testemunho até o fim, imitando Jesus em sua paixão e em sua morte. Portanto, o mártir se identifica com Jesus e chegará à ressurreição juntamente com o seu Mestre.
PERSEGUIÇÕES E MÁRTIRES
8. Os séculos II e III (até o ano de 313) na História do Cristianismo são marcados pelas perseguições do Império Romano e pelo sangue derramado dos mártires. O altíssimo valor deste testemunho – de quem preferia entregar a própria vida a renegar a fé em Cristo – foi logo percebido e deu lugar a muitos documentos, celebrando o heroísmo dos cristãos e, logo depois, a um verdadeiro culto, que se intensificou nos séculos III e IV.
9. Posteriormente, o culto dos mártires e a admiração por eles suscitada geraram também certo número de lendas e interpretações exageradas na devoção e na literatura populares. É claro que aqui devemos nos ater aos fatos comprovados, ou razoavelmente certos, e não a fábulas, mesmo piedosas ou edificantes. O Cristianismo não precisa senão dos fatos para a sua história e a sua grandeza. Uma visão realista e honesta dos acontecimentos será também a mais eficaz lição para hoje, e poderá suscitar permanentemente o zelo e a dedicação à causa da justiça e da liberdade cristã. Mas até podemos compreender o modo de falar com certo exagero dos “heróis da fé”, pelo entusiasmo dos cristãos ao sentirem-se impelidos a venerar tão grandes testemunhas.
A GRAVE CRISE DO TERCEIRO SÉCULO (200-300)
10. O século terceiro vê Roma em gravíssima crise. As relações entre Cristianismo e Império Romano transformam-se, embora nem todos o percebessem. Por volta de 250, Roma começou a perder seu poder e sua influência. Do leste e do norte vieram duríssimos ataques. Eram terríveis os amontoados de destroços que deixavam. A peste atingiu os soldados e se espalhou por todo o Império. A vida regrediu ao estado primitivo e selvagem. A agricultura e o comércio foram praticamente aniquilados.
11. Na hora do desespero, as pessoas costumam correr para qualquer canto, apegando-se a quem prometesse proteção e vitória. Não foi diferente no tempo de São Sebastião. Como o Imperador perdera o seu poder, as pessoas começaram a se agarrar às mais diversas divindades. Surge, por exemplo, em Roma, um templo à deusa egípcia Isis. O Imperador impõe a adoração do deus sol. O povo recorre a ritos mágicos para manter a peste distante. Enquanto isso, continuam as terríveis perseguições contra os cristãos. Alguns dos novos imperadores, mesmo não sendo romanos de nascimento, veem o retorno à centralização em torno do Imperador e de sua religião como único caminho para se livrarem de tanto mal. Com isso, decretam a extinção dos cristãos, sempre mais numerosos. Era o desejo de lançar fora esse “corpo estranho”, cada dia mais forte e sólido, por isso visto como ameaça.
O IMPÉRIO DE DIOCLECIANO
12. Em 271, o Imperador Aureliano tomou a decisão de abandonar algumas áreas que poderiam fornecer recursos para a sobrevivência do Império. Com isso, sobrou ao povo arcar com as despesas. Aumentaram-se as taxas sobre diversas situações. Há quem diga que, naquele tempo, o povo não sabia se trabalhava para sobreviver ou se para pagar as taxas do Imperador. Interessante como esses fatos se repetem pela história afora, e também hoje sofremos do mesmo sintoma.
13. Em 284, Diocleciano foi aclamado imperador. Desde então, as taxas seriam pagas por cada pessoa e por cada pedaço de terra cultivável. A coleta das taxas foi confiada a uma esperta e imensa burocracia, que punia de modo desumano quem não cumpria com as obrigações das taxas. Estas eram tão pesadas que tiravam a vontade de trabalhar. A solução foi proibir que se abandonasse o lugar de trabalho, o pedaço de terra que se cultivava, a oficina, o uniforme militar. Sob Diocleciano é realizada uma ditadura integral do estado: terrorismo de funcionários, fortíssima limitação da ação individual, progressiva interferência estatal, pesadas taxações.
14. Os primeiros vinte anos do reino de Diocleciano não molestaram os cristãos. Em 303, como um golpe de cena, desencadeou-se a última perseguição contra eles, levada a efeito pelo oficial Galério, uma espécie de assistente muito próximo de Diocleciano. Este homem “pôs fim, em 303, à política prudente de Diocleciano, que se abstivera de atos intransigentes e intolerantes. Quatro editos consecutivos entre fevereiro de 303 e fevereiro de 304 impuseram aos cristãos a destruição dos lugares de culto, o confisco dos bens, a entrega dos livros sagrados e a tortura até à morte para quem não oferecesse culto em honra do Imperador. Como sempre, é difícil determinar os motivos que levaram Diocleciano a aprovar uma atitude deste tipo. Pode-se supor que tenha sido objeto de pressões por parte de ambientes pagãos fanáticos. Numa situação de angústia generalizada, acreditava-se que só o retorno à antiga religião de Roma poderia unificar o povo e persuadi-lo a enfrentar tantos sacrifícios. Era preciso retornar às antigas leis e à tradicional disciplina romana. Este foi o tempo de São Sebastião, um tempo com diferenças, mas também com semelhanças em relação ao nosso. O desespero diante das dificuldades é capaz de levar as pessoas, em qualquer situação, a cometer atitudes que não ajudarão a solucionar os problemas, mas, ao contrário, só os tornarão piores. São Sebastião, porém, não caiu nas armadilhas do desespero.
SEBASTIÃO, SOLDADO ROMANO E CRISTÃO
15. São Sebastião nasceu na cidade de Narbona, na França, em 256. Seu nome, de origem grega, Sebastós, significa divino, venerável. Ainda pequeno, sua família mudou-se para Milão, na Itália, onde ele cresceu e estudou. Sebastião optou por seguir a carreira militar de seu pai.
16. No exército romano, chegou a ser capitão da 1ª guarda pretoriana. Esse cargo só era ocupado por pessoas ilustres, dignas e corretas. Sebastião era muito dedicado à carreira, tendo o reconhecimento dos amigos e até mesmo do imperador romano, Maximiano. Na época, o Império Romano era governado por Diocleciano, no Oriente, e por Maximiano, no Ocidente. O Imperador Maximiano não sabia que Sebastião era cristão. Não sabia também que Sebastião, sem deixar de cumprir seus deveres militares, não participava dos martírios nem das manifestações de idolatria dos romanos. Por isso, São Sebastião é conhecido por ter servido a dois exércitos: o de Roma e o de Cristo. Sempre que conseguia uma oportunidade, visitava os cristãos presos, levava uma ajuda aos que estavam doentes e aos que precisavam. Praticou assim as obras de misericórdia de visitar os cativos e consolar os aflitos.
MISSIONÁRIO NO EXÉRCITO ROMANO
17. De acordo com escritos atribuídos a Santo Ambrósio de Milão, Sebastião teria se alistado no exército romano já com a intenção de afirmar e dar força ao coração dos cristãos, enfraquecidos diante das torturas. Nessa destacada posição, Sebastião se tornou o grande benfeitor dos cristãos encarcerados em Roma naquele tempo. Visitava com frequência as pobres vítimas do ódio pagão, e, com palavras de dádiva, consolava e animava os candidatos ao martírio aqui na Terra, que receberiam a coroa de glória no Céu.
PERSEGUIÇÃO
18. Enquanto o Imperador empreendia a expulsão de todos os cristãos do seu exército, Sebastião foi denunciado por um soldado. O imperador sentiu-se traído, e ficou perplexo ao ouvir do próprio Sebastião que era cristão. Tentou, em vão, fazer com que ele renunciasse ao Cristianismo, mas Sebastião com firmeza se defendeu, apresentando os motivos que o animavam a seguir a fé cristã e a socorrer os aflitos e perseguidos.
MARTÍRIO
19. Ao tomar conhecimento de cristãos no exército romano, Maximiano realizou uma caça a eles, expulsando-os do exército. Só os filhos de soldados ficaram obrigados a servir o exército. E este era o caso do Capitão Sebastião. Para os outros jovens a escolha era livre.
20. O Imperador, enraivecido ante os sólidos argumentos daquele cristão autêntico e decidido, deu ordem aos seus soldados para que o matassem a flechadas. Maximiano mandou que ele fosse morto para servir de exemplo e desestímulo a outros. Tal ordem foi imediatamente cumprida: num descampado (ou numa floresta), os soldados despiram-no, amarraram-no a um tronco de árvore e atiraram nele uma chuva de flechas. Depois o abandonaram para que sangrasse aos poucos até a morte. O modo desse primeiro martírio de São Sebastião era tremendamente cruel e doloroso.
RECUPERAÇÃO
21. Santa Irene, uma cristã devota, e um grupo de amigos, foram ao local e, surpresos, viram que Sebastião continuava vivo. Levaram-no dali e o esconderam na casa de Irene, que cuidou de seus ferimentos. É fascinante ver a força da comunidade de fé. Mesmo diante das ameaças do Imperador, a comunidade dos cristãos daquele tempo não hesitou em se arriscar para salvar a vida do jovem Sebastião. Ninguém deve ter pensado que haveria guardas escondidos para garantir que a sentença fosse cumprida. O importante era tentar salvar um irmão na Fé, um ser humano, um filho de Deus.
22. Por isso, eu também me fascino diante do muito que vejo neste Rio de Janeiro, Rio de São Sebastião. Vejo comunidades atuantes, testemunhando a Misericórdia e a Caridade, vejo pessoas que, apesar dos sofrimentos, alguns comparáveis à tortura, não perdem a Esperança, porque, assim como São Sebastião, sabem em quem colocaram sua Fé (2 Tm 1,12). Estas pessoas e estas comunidades são, para mim, sinais da misericórdia do Pai.
23. Necessitamos de novas “Irenes” que, com suas comunidades, tenham coragem de enfrentar desafios e ajudem a curar as “flechadas” que a cidade recebe na vida de seus moradores. São muitos os sofrimentos das pessoas, mas são muitas as atitudes de cristãos comprometidos que dão suas vidas para que o irmão “tenha vida em abundância”.
SEGUNDO MARTÍRIO
24. Passado um tempo, já restabelecido, São Sebastião quis continuar a sua missão de evangelizador e, em vez de se esconder, com valentia apresentou-se de novo ao Imperador, censurando-o pelas injustiças cometidas contra os cristãos, acusados de inimigos do Estado. Corrigir os que erram e orientar os que não sabem fazem parte também das obras de misericórdia.
25. Porém, na liberdade de aceitar ou não a luz, o imperador Maximiano não atendeu ao seu pedido. Sebastião insistia para que ele parasse de perseguir e matar os cristãos. Desta vez, porém, o Imperador mandou que o açoitassem até morrer e depois fosse jogado numa fossa para que nenhum cristão o encontrasse.
26. É igualmente fascinante perceber o modo como São Sebastião reagiu a tamanha maldade. Talvez, no lugar de São Sebastião, pensássemos apenas em fugir ou evangelizar em local distante do Imperador. O mundo é tão grande que podemos cair na tentação de justificarmos nossa preservação com a possibilidade de evangelizar em outros lugares. É aqui, no entanto, que atua a Misericórdia de Deus. Nosso soldado Sebastião sabia que a causa maior do sofrimento das pessoas e da perseguição em razão da Fé estava no Imperador. São Sebastião sabia que era preciso buscar também a conversão do Imperador. Como, então, ir a outro lugar que não fosse de volta ao Imperador a fim de clamar por sua conversão? São Sebastião não se deixou alimentar pelo ódio, pela revolta, nem mesmo pela mágoa ao Imperador. Ele se preocupou em converter o Imperador e, com isso, ajudar também os demais cristãos. Assim acontece quando a Misericórdia de Deus toma conta dos nossos corações. Aprendemos a separar o pecado do pecador. Lutamos contra o pecado, mas buscamos a preservação da pessoa do pecador, pois toda pessoa é filha do Deus que ama a todos por igual. O Evangelho nos fala do Pai misericordioso que ama tanto o filho que saiu como o que ficou em casa. A única diferença é como o filho responde ao amor do Pai.
27. Talvez alguém diga que seria certo São Sebastião agredir o Imperador, usando até mesmo de suas habilidades militares para assassiná-lo. Afinal, se foi tratado com violência, também com violência poderia tratar o Imperador. Não é assim que às vezes lidamos com nossos problemas e, mais ainda, com quem nos faz sofrer? Não é assim que achamos que a justiça de Deus funciona? Grandioso soldado Sebastião! Soube perceber que o poder e a justiça de Deus se manifestam exatamente na Misericórdia, e esta não quer outra coisa que não seja a salvação de todos, especialmente do pecador. São Sebastião é um anunciador da Misericórdia de Deus!
SEPULTAMENTO
28. Uma piedosa mulher, Santa Luciana, sepultou-o nas catacumbas. Isso aconteceu no ano de 287. Faz parte das obras de misericórdia dar sepultura aos falecidos. Mais tarde, no ano de 680, suas relíquias foram solenemente transportadas para a Basílica Superior construída pelo Imperador Constantino, onde se encontram até hoje. Naquela ocasião, uma terrível peste assolava Roma, vitimando muitas pessoas. Entretanto, tal epidemia desapareceu a partir do momento da transladação dos restos mortais desse mártir, que passou a ser venerado como o padroeiro contra a peste, a fome e a guerra. Além disso é invocado como padroeiro dos atletas e de muitas cidades, entre as quais a nossa.
29. O tempo passou desde que São Sebastião viveu e foi martirizado. Entretanto, quando ouvimos palavras como peste, fome e guerra ficamos com a impressão de que o mundo não mudou tanto assim. É verdade que o mundo se modernizou e se moderniza a cada dia, com o avanço da tecnologia. Mas, é igualmente verdade que os mesmos flagelos que atingiam o tempo de São Sebastião atingem o tempo atual. As pestes existem de vários tipos, desde o retorno de antigas doenças que, com um pouco mais de atenção dos responsáveis, não precisariam reaparecer, até catástrofes naturais que poderiam ser evitadas com um pouco menos de ganância nos lucros e mais atenção com a natureza. O mundo de nossos dias tem tecnologia suficiente para alimentar todos os seres humanos. Se não o faz é porque a mesma ganância roubou o lugar da Misericórdia na mentalidade de muita gente. A guerra entre povos, a guerra em nome de Deus, a guerra de facções dentro da cidade, a guerra entre famílias, a guerra entre irmãos. A guerra tem novas formas, a ponto de o Santo Padre Francisco, com sua voz profética, alertar o mundo que já estamos vivendo uma terceira guerra mundial, “lutada aos poucos com crimes, massacres, destruição" .
SÃO SEBASTIÃO PADROEIRO
30. Os santos, ao serem invocados por muitos cristãos de um determinado local, passaram a ser tidos como protetores desses lugares, tornando-se assim padroeiros. É daí que vem a tradição de colocar um santo como padroeiro de uma cidade, arquidiocese, diocese, prelazia, paróquia, bem como nas comunidades eclesiais.
31. Temos muitos padroeiros para tantas situações e cidades. Também temos muitos santos militares – Sebastião foi um destes soldados romanos mártires e santos, cujo culto nasceu no século IV e atingiu o seu auge nos séculos XIV e XV, tanto na Igreja Católica como na Igreja Ortodoxa. São Sebastião é celebrado no dia 20 de janeiro.
32. A devoção é um carinho especial que os católicos têm em relação a um ou mais santos e santas. É o reconhecimento de que a Misericórdia de Deus, quando acolhida e transmitida, gera santidade, e que o convite a ser misericordioso como o Pai tem sido acolhido por um número incontável de homens e mulheres ao longo da história do Cristianismo. O padroeiro nos inspira a buscar a misericórdia do Pai através do reconhecimento de nossos pecados e da reconciliação. O padroeiro nos inspira a transmitir a misericórdia do Pai através do testemunho, das ações missionárias, da caridade e de tudo mais que, brilhando entre os homens, permita-lhes dar glórias ao Pai (cf. Mt 5,16).
A PIEDADE POPULAR
33. Para preparar a Festa do Padroeiro introduzimos em nossa Arquidiocese uma Trezena. Ao final dela, revejo tudo o que aconteceu e me vem à mente a importância de se evangelizar através da presença junto às pessoas. Uma Igreja em saída é uma Igreja que percorre, como Jesus fazia, as aldeias e cidades, mas é também uma Igreja que, no seguimento de Jesus, chega aos corações das pessoas do jeito que estes corações são, em suas buscas e encontros do Deus de Misericórdia. Há uma necessidade muito grande de um contato pessoal com os pastores. Vejo quantas necessidades nos são apresentadas e que supõem encaminhamentos para uma evangelização e catequese.
34. Aproveitamos o início do ano civil para viver a Festa de São Sebastião e, ao mesmo tempo, preparamos os grandes temas que norteiam a nossa caminhada pastoral. Assim é que, em 2012, aprofundamos a preparação da Jornada Mundial da Juventude com o tema: São Sebastião, jovem discípulo de Jesus Cristo. No alvorecer do ano da JMJ, em 2013, era importante suscitar a alegria do acolhimento e assim o tema foi: São Sebastião, irmão na fé, acolhei-o! Dentro do Plano de Pastoral aquele foi também o Ano da Fé. No ano seguinte, para os trabalhos da caridade social, iniciamos o ano com o tema: São Sebastião, discípulo do amor e da caridade. No ano passado, Ano da Esperança foi essa temática que marcou a Trezena: São Sebastião, testemunha da esperança. Neste ano, ao alvorecer do Jubileu da Misericórdia, a imagem peregrina de São Sebastião percorreu mais de 2.700km e visitou mais de 105 lugares durante a Trezena, chamando a Arquidiocese a entrar nesse tempo especial: São Sebastião, anunciador da misericórdia de Deus.
35. A Trezena atinge o coração das pessoas que ainda trazem um pouco dos inícios da fé aprendida no catecismo. Isso está dentro do que os Documentos da Igreja chamam de religiosidade ou piedade popular, que deve ser um caminho para muitas pessoas encontrarem e perceberem o amor misericordioso do Pai, manifestado em Jesus, pela força do Espírito Santo.
36. Algumas vezes, encontramos resistências em relação a este jeito tão simples e tão afetuoso de viver e manifestar a fé. É claro que isso é apenas um resgate de pessoas que estavam talvez um pouco longe da Igreja ou um reanimar algumas outras que necessitam de voltar ao caminho. Reconheço-me cada vez mais convencido daquilo que, na verdade, sempre foi um dado importante na nossa fé: Deus fala ao coração, Deus ouve o coração, Deus e o ser humano se falam a partir do coração.
37. Os bispos da América Latina, reunidos em Aparecida, reconheceram que exatamente esta religiosidade popular tem exercido um papel muito importante na história do continente (DAp 37), sendo capaz de conduzir “a Cristo, Senhor da Vida, em quem se realiza a mais alta dignidade de nossa vocação humana” (DAp 43). Este, portanto, é “o precioso tesouro da Igreja Católica na América Latina” (DAp 258), um tesouro que precisa ser cuidado, zelado com carinho, purificado às vezes e, de modo criativo e fiel ao Evangelho, sempre traduzido para o hoje de pessoas e povos (DAp 99). Sim, estou plenamente convencido de que “é necessário cuidar do tesouro da religiosidade popular de nossos povos para que nela resplandeça cada vez mais a pérola preciosa que é Jesus Cristo” (DAp 509).
38. Por isso, bendizendo ao Deus de Misericórdia pelas maravilhas acontecidas a cada Trezena, peço a este mesmo Deus forças para cada católico carioca, pessoalmente e em comunidade, não considerar o trabalho da missão popular da Trezena encerrado no dia 20 de janeiro. Ao contrário, a Trezena, da qual faço tanta questão de participar integralmente, abre portas e corações para um trabalho evangelizador que não pode parar. Continuemos, portanto, caminhando, ao longo do ano, pelas ruas de nossas cidades evangelizando e catequisando pelas diversas formas de presença. Em cada momento desses, imagino a voz de Santa Isabel a manifestar o espanto por se perceber visitada pelo Salvador (Lc 1,43). Para Isabel, o Salvador era levado pela Virgem Maria.
MISSÃO PERMANENTE
39. Para as pessoas de hoje, o Salvador é levado pela Igreja. Daí meu pessoal estímulo a que se continuem as visitas missionárias com as imagens de Nossa Senhora, tão querida dos cariocas; de São Sebastião, o padroeiro amado, e de todos os demais santos e santas. É claro que nesses momentos o anúncio da Palavra de Deus, que transforma pela ação do Espírito Santo e convida o povo a uma nova vida, é o centro dessa missão. Fico feliz em ouvir relatos, como o de um local de trabalho, onde a cada dia uma imagem da Virgem Maria permanece na mesa de um dos trabalhadores. Ao final do dia, numa breve oração, a imagem é entregue a outro funcionário e, desse modo simples e imediato, a presença de Deus vai sendo percebida e acolhida, numa cidade que pode dar a impressão de que se esqueceu d’Ele e de sua misericórdia, mas que, na verdade, O busca incessantemente, convidando-nos a levá-Lo a todos os lugares, em todos os momentos.
40. Porém, muito mais somos chamados a fazer. Numa Igreja em saída, a nossa presença nos ambientes culturais, sociais, turísticos, comunitários, além dos locais religiosos e sagrados, faz parte dos desafios do nosso tempo. A visita às pessoas abandonas, dependentes e vivendo uma vida desumana é outro modo de uma presença que nos compromete com uma transformação da sociedade. A mídia arquidiocesana exerce muito bem esse trabalho, anunciando através de suas atividades concretas o Reino de Deus. Em tudo a Palavra vai sendo anunciada através dos sinais, das leituras, das proclamações, das homilias, das escutas e orientações.
41. Agradeço a Deus por tantos belos testemunhos de bispos, padres, consagrados e leigos que nesta grande cidade são presença evangelizadora. Na convergência de carismas (no mesmo Espírito Santo), maravilhas acontecem ao anunciar na unidade a alegria do Evangelho. Sejamos missionários o ano inteiro (missão permanente), percorrendo também, entre outros, o caminho da religiosidade popular. Assim, contribuiremos para o resgate da identidade católica de nosso povo, identidade que, embora tenha marcado profundamente a história latino-americana, como uma “preciosa tradição”, começa a se diluir, a ponto de não ser mais transmitida às novas gerações (DAp 37-39). Trata-se, desse modo, de uma opção pastoral que, integrada com uma sólida rede de comunidades, sempre aberta à iniciação cristã e com forte animação bíblica de toda a vida, fortalecerá ainda mais o rosto missionário da Igreja, a serviço da vida em todas as situações.
42. Neste tempo de enormes transformações culturais, vejo como é importante encontrar caminhos de presença junto ao nosso povo. Temos uma longa trajetória a percorrer. Porém, confio que, unidos, faremos o melhor para a nossa querida cidade, tão bela mas tão necessitada de curar suas feridas.
43. A evangelização continuada e reiterada pelo anúncio do querigma, a formação de uma paróquia que seja comunidade de comunidades, o encontro em torno da Palavra de Deus, a celebração dos sacramentos, em especial da Eucaristia, uma sólida iniciação cristã e um comprometimento com os mais necessitados e excluídos nos fazem viver esse tempo de grandes transformações com o apoio dos diversos carismas convergindo para a comunhão, para a unidade. Eis o papel do nosso Plano de Pastoral Arquidiocesano.
FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE
44. Estamos chegando ao final do nosso Plano de Pastoral Arquidiocesano. Vamos nos preparar para iniciar os estudos para o novo. Será importante, inspirados por São Sebastião, fazermos um retrospecto dos temas vivenciados nestes últimos anos sobre as três virtudes teologais da Fé, da Esperança e da Caridade. Abrindo o Ano da Misericórdia, chegou o momento de olhar para o futuro de nossa evangelização e o novo Plano de Pastoral. O nosso Santo Padroeiro viveu as virtudes teologais e, por seu testemunho, ensinou e ensina a vivê-las nos dias de hoje, em pleno século XXI. Recordo que a vivência destas três virtudes deve ser feita sempre na perspectiva da Misericórdia. É esta que dá a tonalidade com que devemos viver o seguimento de Jesus Cristo a cada dia de nossa existência.
45. As virtudes aqui tratadas são chamadas de teologais, pois se referem diretamente a Deus e à comunhão com Ele. São infundidas em nós no Batismo, o que não nos isenta de cultivá-las ao longo de toda a vida, por meio do conhecimento de cada uma delas e também da sua prática. São Paulo é que nos elenca e comenta a fé, a esperança e a caridade, com certa frequência, em seus escritos (cf. 1Cor 13,13; 1Ts 1,3; 5,8). Vejamos cada uma das virtudes teologais, tendo sempre presente o exemplo de vida de São Sebastião.
A FÉ
46. A Fé nos leva ao conhecimento de Deus no plano sobrenatural, tendo em vista nos conduzir a uma vida santa, neste mundo, e à visão face a face na eternidade (cf. 1 Jo 3,1-3; 1Cor 13,12). A fé é dada por Deus, mas exige uma resposta livre Àquele que nos fala. Falou, no Antigo Testamento, por meio dos Patriarcas e Profetas e, no Novo Testamento, revelou-Se plenamente em Jesus Cristo (Hb 1,1-2), o Verbo Divino feito carne na plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4). Jesus Cristo, deixou-nos a Igreja, seu Corpo Místico prolongado na história (cf. Cl 1,4), por meio da qual renascemos para a vida divina como filhos no Filho (cf. Gl 4,5) pelo Batismo. Este é o primeiro sacramento a ser recebido, insere a pessoa na vida eclesial. É bom ser Igreja! Ter senso de Igreja! Sentir com a igreja! Porém, é também uma grande responsabilidade para com Deus e para com os irmãos!
47. A fé é ato livre. Se alguém fosse coagido a crer em algo, não se poderia dizer que essa pessoa vive a verdadeira fé. Daí se dizer que o ato de fé passa pelo intelecto e pela vontade, ou seja, é um ato da inteligência e daí passa a decisão à vontade: o querer ou o não querer crer.
48. É Deus, a grandeza por excelência, que nos convida (e isso envolve o nosso limitado intelecto) a participar de seus mistérios, que só a fé pode abranger no claro-escuro, ou na certeza de alguém que se lança porque Aquele que revelou essa verdade é digno de crédito. É dom d’Ele (cf. 1Tm 2,4).
49. É certo, no entanto, que ter fé não é a mesma coisa que ser crédulo ou acreditar em tudo. Embora ultrapasse os limites da razão, ela não é irracional e exige uma coerência interna como pré-requisito àquele que crê. Isso nos afasta do fanatismo, que tanto destrói o ser humano com suas realidades violentas.
50. Como Deus não pode se contradizer (cf. 2Tm 2,13), jamais imporá a fé em aberrações que ferem a lógica e o bom-senso humano. Nem por isso, no entanto, a fé é mero ato do intelecto e da vontade, mas também do amor, de modo que aquele que mais ama, melhor entende o Senhor e seus desígnios, até mesmo sem estudo algum. Deus se digna, às vezes, revelar coisas aos pequeninos, mas não aos sábios e entendidos (cf. Mt 11,25-27). Devemos, portanto, fazer sempre atos de fé e rezar como o cego: Eu creio, Senhor, mas ajuda a minha falta de fé! (cf. Mc 9,27).
51. Façamos, pois, nossas as palavras do cego, pedindo também a intercessão de São Sebastião que, não obstante os sofrimentos físicos e morais, soube acreditar a ponto de dar a sua vida plenamente à causa do Evangelho. Ele o fez por saber que não estava se doando em vão, mas, sim, a uma causa nobre, ou à Causa mais nobre que há, entregar-se a Deus em sua Igreja para o bem da humanidade, ainda que esse testemunho custe a própria existência terrena, pois abre as portas da eternidade feliz.
52. No ano de 2013, quando o nosso Plano de Pastoral nos apontava a necessidade do aprofundamento da virtude da fé, o nosso ato concreto foi a realização da Jornada Mundial da Juventude. Sem dúvida, foi um ato de fé corroborado por todos de nossa Arquidiocese, que se desdobraram para oferecer uma boa acolhida e realizar um evento que marcasse a nossa vida eclesial neste século.
A CARIDADE
53. Na sequência de anos, o tema tratado a seguir foi a virtude teologal da Caridade (o amor), que se liga também à misericórdia de Deus. Jesus Cristo é o Enviado do Pai como gesto concreto do seu amor misericordioso para com a humanidade. Sim, é o maior gesto de misericórdia, pois Jesus se dá a nós sem que O mereçamos, ou seja, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5,7s; 1Jo 4,10). Ora, se Deus nos amou assim, devemos nos amar também exercendo para com o irmão um pouco dessa grande prova de amor que Ele nos deu (cf. 1Jo 4,11). E esse amor, em nós infundido no Batismo, nos faz participantes do amor divino (cf. Rm 5,5). Por isso amamos a Deus como o Bem Supremo, por ser Ele quem é e merecer o nosso amor, e amamos o próximo por amor a Deus. Ora, se amamos o outro por causa de Deus não são decisivas as qualidades ou defeitos dele para que eu ame (a simpatia e a antipatia ficam em segundo plano). Como exemplo desse amor desinteressado, Deus dá o sol e faz chover sobre bons e maus (cf. Mt 5,45) e manda amar – à diferença dos pagãos – a amigos e inimigos (cf. Mt 5,44; Lc 6,27-35).
54. Distingue-se o amor afetivo e efetivo. O afetivo (de afeto) move os sentimentos naturais para as criaturas visíveis e atraentes; já o amor efetivo age objetivamente e vai direto ao assunto, efetua o que significa e faz o bem do próximo acontecer. É um amor consciente e profundo, dirigido, em primeiro lugar a Deus, evidentemente, e ao próximo, em seguida, como manda a Escritura: amar a Deus e ao próximo (cf. Mc 12,29; Lc 10,27, por exemplo).
55. Importa dizer ainda que o amor ou a caridade (ágape) se destaca entre as demais virtudes teologais. É o centro delas e por isso as ilumina e dirige. Não pode existir virtude autêntica sem amor, pois é ele que nos dirige a Deus e ao próximo. Sem amor nada se faz.
56. Olhando para seu mestre Jesus, São Sebastião não teve medo de se entregar e de assumir que era cristão. São Sebastião desempenhou corretamente seus deveres como soldado, mas, por baixo das vestes militares, estava um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo, e dentro de seu corpo pulsava um coração ardente de desejo de apoiar os perseguidos e ajudá-los a seguir o Divino Mestre, não só durante esta vida, mas também quando se encontravam prestes a partir para a eternidade. Mantinha em segredo sua fé, como era comum entre os cristãos nas épocas de perseguição, pois assim podia ajudar os que dele precisavam, mas não tinha receio de perder seus bens ou sua própria vida.
57. No Ano da Caridade (2014), procuramos continuar reorganizando os nossos trabalhos sociais em redes e dando passos junto a pessoas que necessitam de uma presença da Igreja. O nosso gesto concreto que marcou aquele ano foi a coleta de alimentos para o Haiti, que ultrapassou – e muito – a proposta inicial. Um sinal da abertura e fraternidade dos católicos do Rio de Janeiro.
A ESPERANÇA
58. No ano passado (2015), aprofundamos a virtude da esperança. Todos nós, enquanto pessoas de fé, somos convidados, em meio às realidades visíveis, a pensar nas invisíveis, com a esperança de chegar um dia a ver o que, agora, acreditamos com a virtude teologal da fé. Por ela, temos a confiança de chegar ao face-a-face da eternidade com a graça de Deus, que a ninguém falta. Ora, se Deus é o objeto máximo da nossa esperança, essa espera, que é certa porque está fundamentada no próprio Deus, só pode nos trazer a felicidade máxima. Mesmo em meio às agruras deste mundo, nos preenche de verdade, pois tem o olhar dirigido aos bens eternos que nem a traça nem a ferrugem consomem (cf. Mt 6,19-21).
59. Essa esperança dos bens eternos em Deus, e não apenas de bens passageiros, é que se chama de virtude teologal da esperança. As esperanças do verdadeiro cristão se concentram em Cristo, pois só n’Ele está a glória prometida pelo Pai aos seus filhos (cf. Cl 1,27; 1Tm 1,1).
60. É certo que, no caminho do visível ao invisível, podemos cair no desespero, pois caminhamos como viajantes rumo a algo que não sabemos bem como é. A beleza e a grandeza do além é indescritível (cf. 1Cor 2,9), e isso pode nos assustar e levar mesmo cada um a se perguntar: terei forças para cumprir tão alta meta? Que farei para corresponder ao chamado de Deus em minha vida, que é, nada mais nada menos, que ser santo como Deus é santo (cf. Mt 5,48)? Como chegarei lá? – A resposta não é difícil: se eu confiar em mim mesmo e nas minhas próprias forças, poderei cair, me perder e, consequentemente, ficar a meio do caminho; mas se eu tiver fé em Deus, terei também a esperança de que tudo se realizará, dado que o Senhor mesmo é a nossa força (cf. Fl 4,13) e Ele é quem me conduzirá à meta almejada.
61. Longe do temor, a esperança em Deus inspira o amor. Vamos, no claro-escuro da fé, descobrindo o grande chamado do Pai a cada um de nós: sermos filhos no Filho (cf. Gl 4,5). Enfim, se Deus colocou dentro de nós essa esperança da eternidade, ela não será vazia. Mais ainda: não é ilícito nem errôneo agir neste mundo esperando os bens definitivos, como ensina o próprio Senhor Jesus ao prometer que será grande a nossa recompensa no céu (cf. Mt 5,12). Dessa recompensa grandiosa temos a certeza dada pela fé, e almejamos com ardor pela esperança em nós infundida e alimentada pelo mesmo Senhor. Ela assegura que nada nem ninguém pode nos separar do amor de Deus (cf. Rm 5,35-37). Por isso, devemos caminhar sempre na alegria do Senhor, pedindo a graça da perseverança nos Seus caminhos, apesar dos percalços da vida presente. Somos convidados, como bons cristãos, a analisar os problemas com perspicácia e ajudar a resolvê-los com prontidão de verdadeiros filhos e filhas de “uma Igreja em saída”, e não fechada em si mesma, como tanto nos tem alertado o Papa Francisco.
62. Durante o Ano da Esperança fomos convidados a ser missionários, principalmente nas regiões mais longínquas e periféricas. O gesto concreto da missão foi preparado e executado naquele ano. Além disso, quisemos ser anunciadores da esperança em uma sociedade multifacetada como a nossa. A missão permanente deve ser um movimento constante para evangelizar e criar uma capilaridade católica em nossos bairros, continuar reevangelizando a grande cidade na missão permanente e aprofundar a fé através da iniciação cristã.
SÃO SEBASTIÃO E A SUA CATEDRAL
63. São Sebastião dá nome a muitos logradouros, prédios, regiões e eventos em nossa cidade. A devoção a ele leva os fiéis a se inspirarem em seu exemplo para vencerem as dificuldades da vida e, mesmo assim, praticarem atos de misericórdia. Dentre os vários locais para os quais São Sebastião dá nome, destaco dois deles: a nossa Catedral e a Basílica Menor.
64. A Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro – bastante conhecida – é o segundo monumento mais visitado depois do Cristo do Corcovado. É um dos prédios mais destacáveis do centro do Rio. Dentro de uma região com domínio do concreto, a nossa Catedral é uma proposta atualizada para trazer as nossas sadias tradições inculturadas com as realidades de hoje. É como se fosse uma grande praça coberta para as celebrações da Arquidiocese.
65. Em nossa Catedral se encontram as direções de importantes trabalhos pastorais, como a Caritas Arquidiocesana e o Banco da Providência. Além de concentrar as várias celebrações litúrgicas, reuniões arquidiocesanas, Museu de Arte Sacra, arquivo arquidiocesano e proporcionar a acolhida de turistas, ali existe um belo trabalho com os moradores de rua, que não faltam naquela região central. Neste ano do Jubileu da Misericórdia é uma importante referência para nossos trabalhos sociais.
66. Façamos nós também estas descobertas, renovando-as sempre que formos à Catedral para as celebrações arquidiocesanas e para a oração pessoal. Aproveitemos este Ano Santo e atravessemos a Porta Santa que ali está. Arquitetonicamente, a porta santa da Catedral é muito ampla. Possui 20 metros de largura por 6 metros de altura, e se assemelha ao coração misericordioso do Pai, que acolhe a todos. O importante, porém, é não sair do mesmo modo como se entrou. Para isso, precisa-se estar com a porta santa do seu coração aberta. É não passar por Jesus deixando Jesus passar, pois Ele não quer ser visto apenas de longe. Ele quer estar junto, quer acolher, quer transformar. Sabemos, porém, que a porta do Reino de Deus é estreita (Mt 7,13-14) no sentido de que são necessárias a conversão e a contínua vigilância, mas alegro-me por termos uma Catedral onde, na Arquitetura, se manifesta o convite a estar com Jesus e a grandeza do seu misericordioso coração.
67. A nossa Igreja Mãe está de portas abertas para que nesse lugar a nossa Arquidiocese possa viver sua identidade e unidade concreta em vários momentos durante o ano, reunindo-nos principalmente para algumas ações litúrgicas. A peregrinação à Catedral não se faz apenas no Ano Santo! Ela acontece sempre que saímos de nossas casas e paróquias para celebrar nossa unidade e comunhão, participando de momentos que o Senhor nos proporciona em nossa caminhada de povo de Deus desta grande cidade.
BASÍLICA DE SÃO SEBASTIÃO
68. Além da Catedral, há, no Rio de Janeiro, outras igrejas, capelas e paróquias dedicadas a São Sebastião. Uma delas se destaca, sobretudo neste período das festividades de nosso padroeiro. É a Igreja Matriz da Paróquia de São Sebastião, situada na Tijuca, Rio de Janeiro, mais conhecida como a “igreja dos capuchinhos” por serem eles que servem a essa comunidade como párocos e vigários paroquiais. Para este local foram transportadas, como “Relíquias Históricas da Cidade”, os restos mortais do fundador da cidade do Rio de Janeiro, Estácio de Sá, morto em 1567; o marco zero (português) da cidade fundada em 1565, e a pequena imagem de São Sebastião, de 1563.
69. A Igreja Matriz da Paróquia foi elevada a Santuário Arquidiocesano de São Sebastião, e, depois a Basílica Menor, em nosso governo pastoral. No dia 17 de junho de 2015, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos emitiu o decreto que concede o título à igreja . Tive a alegria de concretizar esse título no dia 1º de novembro do ano passado. Assim, esta igreja, com tantas marcas para a história da cidade do Rio de Janeiro, recebe merecidamente os títulos que a tornam de importância principal para a cidade, como foi considerada por decreto municipal.
70. Com relação ao título de Basílica é importante recordar que o Papa é quem concede o título de “basílica” a um templo. Só existem 4 basílicas com o título de “Basílica Maior”, todas elas situadas na cidade de Roma: São Pedro, São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. As demais basílicas ostentam o título de “Basílica Menor”. Existem cerca de 1.500 ao redor do mundo, algumas das quais aqui no Rio de Janeiro. Uma Basílica Menor é uma igreja considerada importante por diferentes motivos, tais como: veneração que lhe devotam os cristãos, transcendência histórica e beleza artística de sua arquitetura e decoração.
71. A Igreja Matriz de São Sebastião na Tijuca, administrada pelos Frades Capuchinos, também Santuário Arquidiocesano e Templo de interesse afetivo para o município do Rio de Janeiro, é a mais nova Basílica desta cidade. É uma marca para os 450 anos de fundação deste município. A Basílica Menor de São Sebastião é um lugar de grande devoção de todo o povo carioca. De lá sai todos os anos a grande procissão de São Sebastião, no dia 20 de janeiro, depois do período missionário com a Trezena Arquidiocesana. Queremos que este sinal litúrgico e sacramental, de unidade desta Igreja-Basílica-Santuário com a Sé de Pedro, reafirme a nossa unidade com o Santo Padre e o nosso compromisso de fazer mais conhecido, amado e seguido o exemplo do santo patrono de nossa cidade, São Sebastião. Que o santo mártir continue protegendo nossa cidade contra a peste, a fome e a guerra, e nos alcance de Deus a paz!
CONCLUSÃO
72. Ao celebrar o Ano da Misericórdia, e comemorando a Solenidade do Padroeiro da nossa Arquidiocese, quis apresentar São Sebastião como um homem que foi verdadeiro seguidor e anunciador da Misericórdia, que é o próprio Jesus Cristo. São Sebastião é exemplo para todos nós, neste mundo onde muitos perderam a sua fé e a sua esperança. Que ele seja exemplo para cada um de nós vivermos a caridade. Exemplo de fé, de seguimento, de verdadeiro soldado de Cristo e anunciador da misericórdia.
73. Ao concluir os temas e o tempo de vigência de nosso Plano de Pastoral, volto meus olhos para o futuro e para nossas próximas decisões em vista de melhor evangelizar a grande cidade. Deus habita na cidade! São Sebastião é um homem de Deus que foi habitante de grandes cidades em sua época. Foi alguém que testemunhou Cristo em meio a grandes conflitos e dificuldades. Rogo a sua intercessão para que sejamos inspirados pelo Espírito Santo a fim de encontrarmos novos caminhos para bem realizar nossa missão para os próximos anos. São desafios de todo nós, católicos desta cidade, que somos chamados a contribuir para o bem de toda a população. As dores desta cidade devem repercutir em cada um de nós, levando-nos a encontrar inspiração em “Santa Irene”, e procurando ajudar na recuperação do tecido social danificado por tantas feridas e flechadas.
74. O novo Plano de Pastoral deve levar em consideração o que foi realizado até hoje e propor novos desafios a serem vencidos para que sejamos testemunhas autênticas de Cristo, hoje, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Confio na unidade e colaboração de cada um que se empenha em fazer a caminhada conosco nesta querida Arquidiocese.
75. Confiemos à intercessão de São Sebastião as nossas vidas e a nossa caminhada:
Ó glorioso mártir São Sebastião, Vós que derramastes Vosso sangue e destes a Vossa vida em testemunho da fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, intercedei ao Pai para alcançarmos a graça de sermos vencedores dos nossos verdadeiros inimigos: o ter, o poder e o prazer. Ó glorioso mártir São Sebastião, protegei-nos com a Vossa intercessão, suplicando para que sejamos livres de todo o mal, de toda a epidemia corporal, moral e espiritual. Que o Vosso exemplo, conduzido pela ação do Espírito Santo, faça com que se convertam para Jesus aqueles que perderam a fé, e ajude o justo a perseverar até o fim em sua fidelidade ao Senhor. Olhai por vossa cidade e seus habitantes e apresentai ao Pai nossas súplicas e o desejo de seguirmos Jesus Cristo Nosso Senhor.
Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2016, na Solenidade de São Sebastião, Padroeiro da Arquidiocese e desta Cidade.
Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro