O Espírito Natalino

        A Igreja continua celebrando o Natal por oito dias – nós chamamos “oitava”. É um tempo solene para continuar vivenciando o mistério da Encarnação! Natal é Jesus! É o Verbo Encarnado por obra do Espírito Santo no seio de Maria, que nasce em Belém! O verdadeiro sentido desta festa fica muitas vezes em segundo plano nas comemorações, dando lugar a um consumismo desenfreado que cega o espírito que deveríamos ter. Sabemos que nessa época o comércio fica aberto até mais tarde para que possamos comprar aquelas coisas de última hora. A mídia explora muito essas preocupações de última hora para o consumo explorado nesse tempo. 
Porém, é tempo de olharmos o sentido do Natal “cristão”, como se tivéssemos necessidade de distinguir o que isto significa. Hoje necessitamos de uma busca para viver a essência do Natal, que é a alegria da vinda de Deus entre nós. Existe ainda o sentimento de família e suas reuniões, a exploração que ronda em torno da figura do Papai Noel, figura representativa de São Nicolau, as luzes abundantes que enfeitam essa época, recordando Aquele que é verdadeira luz do mundo, a inocente alegria das crianças, que contagia os adultos, porém, nem sempre discernindo o verdadeiro natal.
Natal é Jesus! Celebramos nesta data um acontecimento real. Deus veio ao mundo em um frágil menino, filho de Maria, a esposa de José!  Veio como Messias e Salvador, veio para ser a luz dos homens, veio para nos salvar e nos reconduzir à amizade com Deus! E é Ele quem devemos, como católicos, anunciar para o mundo inteiro.
O Natal nos mostra como Deus entra na história humana. Entra na história e na realidade de forma discreta, simples, despojada. A iniciativa é divina! Esse fator contradiz a sempre presente tentação do ser humano de todos os tempos em querer cercear o Divino, em vez de ocupar-se em preparar-lhe um espaço e construir-lhe um templo “não feito por mãos humanas”. A tradição bíblica constantemente recorda que o ser humano é criatura e, ao mesmo tempo, instrumento nas mãos de Deus. 
O ser humano vive na tensão entre o poder de controlar e manipular a verdade, a beleza e a si mesmo, e o modo como a verdade e a beleza se oferecem. O Natal redesperta em nós o que trazemos de mais nobre: consideração e respeito, proximidade e fraternidade. O Natal nos recorda que o outro, o diferente de mim, deve existir; caso contrário, faltaria algo a mim e a Deus. Por isso, jamais é tarde para ir ao encontro do outro, ao distinto de mim e lhe desejar um abençoado Natal. Jamais é tarde para que a vida não vivida tenha oportunidade de ser resgatada, restituída à existência; jamais é tarde para despertar sonhos há tempos, talvez, não retomados, não alimentados, não admitidos ou acolhidos.
Sabemos das dificuldades sempre presentes diante do desejo e da necessidade de sermos autênticos. Não raramente dizemos, por exemplo, sim, quando deveríamos dizer não; e vice-versa! Assim, a vida torna-se tortuosa, complexa, difícil.  Perde-se a simplicidade, a presteza, a espontaneidade, a alegria. Consequentemente, cresce a sensação de que as aspirações que trazemos são impossíveis, que o sonho é irreal, que a utopia seja irrealizável.
Por isso, o Natal representa uma oportunidade privilegiada para abrir o coração, a fim de que a luz do céu possa entrar novamente na existência humana. De fato, quando o ser humano se dispõe a acolher a linguagem das estrelas, quando se dispõe a ler os sinais do céu, então a verdadeira vida que vem de Deus se torna possível. Ao mesmo tempo, percebe ser consentido crer e esperar que, a partir de Deus e diante de Deus, a beleza, a verdade e a vida são possíveis, hoje e sempre.
O espírito do Natal aponta para dimensões da existência humana que não podem ser descuradas ou desprezadas: simplicidade, fidelidade, familiaridade, intimidade, vigilância, despojamento, ternura, beleza, carinho, respeito, integração com o cosmos, fé. É o que artistas, durante dois milênios de história, provenientes de distintas culturas, em diferentes modos e expressões, buscaram e buscam representar através da arte. Trata-se de tentativas de tocar o coração humano, a fim de que ele se transforme e se torne verdadeiramente humano, deixando-se moldar pela verdade de Belém qual indicação privilegiada para que o ser humano compreenda sempre e de novo em que consiste o tornar-se verdadeiramente humano, iluminado e orientado pela fé.

Mais lidas